A compilação dos meus poemas favoritos
Poesia Como esta viagem que nos fez não tem regressoHoje só nos restam as cartas do futuroOnde nunca mais possa vir prender-te o pesoDas amarras antigas vestidas de escuroLarga-nos aos poucos pelas praias do mundoTu que só aceitas navegar em segredoPois só no fim do mar que não queira ter fundoPoderá naufragar o sal do nosso medoÉs madrasta ó mãe que não nos deixas deixar-tePara nós criaste as regras certas da arteDe prometer tantas promessas não cumpridasÉ pelos teus sonhos que há sempre alguém que parteE é pela tua voz que voltamos para amar-teAi Portugal que voltas deste ás nossas vidas Clara Pinto Correia Eu quero amar, amar perdidamente!Amar só por amar: Aqui...além...Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...Amar! Amar! E não amar ninguém!Recordar? Esquecer? Indiferente!...Prender ou desprender? É mal? É bem?Quem disser que se pode amar alguémDurante a vida inteira é porque mente!Há uma Primavera em cada vida:É preciso cantá-la assim florida,Pois, se Deus nos deu voz, foi pra cantar!E se um dia hei-de ser pó, cinza e nadaQue seja a minha noite uma alvorada,Que me saiba perder... pra me encontrar... Florbela Espanca O mar puxa por mim p'rá poesiaAs ondas são as Musas que me inspiramE seja a bem, ou fantasia,Há versos novos que no mar surgiram!São sobre as ondas escritos os meus versosMirando aquele céu acinzentadoE com os pensamentos mais diversosEscrevo, porque sei que estou inspirado! Aproveito a hora a que as MusasSe chegam até mim aqui no marE se ideias havia mui confusasNesse momento eu as sinto clarear!O mar é um alfobre de tormentosMas muita coisa bela tem p'ra darPois em mim são férteis os momentosEm que há vontade enorme p'ra rimar! Quintino Teles "Ser Só"Se estas só não fiques triste,Da ouvidos à solidão e fala com o outro lado de ti,Ficarás assim em presençaa do teu maior amigo.Aquele ser invisivel a quem pedes conselhos,Com quem dialogas em pensamento,A quem pedes compreensão para contigo.Vais descobrir coisas lindas todos os dias,Vais com ele até à tua infância, Com ele, vais em busca do futuro,Com ele dividirás tristezas e alegrias,Com ele descobrirás a tolerância,Com ele navegas pelo seguro.Estavas só e triste,Mas um novo aliado já descobriste.Sê forte e continua as tuas descobertas,Agora na outra face do teu ser,Aqui há também um inimigo,O que te tira o sono,O que te tira o prazer.Mas ouve-o, escuta-o com atenção,Ele tem coisas para te dizer.Coisas más, por certo,Coisas terríveis, às vezes,Mas não fiques triste,Mantem o teu espírito aberto.Este inimigo vai-te tentando,Vai-te obrigando a fazer o que tu não queres,Vai estar contra o teu amigo também,Mas... luta, luta porque vale a pena.São duas forças contra uma,A tua e a do teu amigo,São dois contra o exterminador.Mas uma batalha perdidaNão significa perder a guerra,Se tudo for feito com amor.Como vês, não estas só!Se não estas só, não podes estar triste.Então abre o teu espírito à convivência,Continua a dialogar contigo próprio,Um dia sorrirás de alegria,Quando olhares à volta do teu "EU"E vires uma imensa multidãoQue te dá vivas e te adora.Se estás só, não fiques triste,Porque afinal a maior tristezaÉ a de pensar que estás só.Não tens razão para estar triste,Porque afinal a palavra SÓ não existe! Lobo Amaral (pseudónimo) Se o fogo trás nas chamasA alma que se agitae que te acenapara que de um tragoa paixão ousadate consumacontempla o seu brilhosem receio.... P’ra quê fugir da alma a que tens direito?As raízes do teu serperdidas no infinitocrescem com a jovialidadedo turbilhão incessantedos ideais não acabadosda tua idade. fjunior@mail.telepac.pt É só hoje Não tem importância, é só hoje;Amanhã o Sol vai brilhar e aquecer,Enquanto esta agonia de mim foje,Prometo que não voltarei a entristecer.Sim, é só hoje que cai neve.Amanhã o Sol brilhará com fulgorIluminando nossas almas ao de leveComo se fosse a abertura duma flor.É só hoje, e vai passar depressaEste frio danado que nos fere a alma.Esperemos que o vento não se esqueçaDe mudar para o quadrante da calma.Hoje cai chuva, e bem grossa.Amanhã soprará uma briza mornaPara compensar esta amargura bem nossaQue este inverno bem malditos nos torna.Sim! amanhã, amanhã será o diaEm que o Sol vai brilhar e aquecer,Suave, o perfume das flores irradiaNestas encostas e vales, quando o Sol nascer.Amanhã é o dia reservado ao Amor,E a fragrância das flores confunde-se na maresia.Amemo-nos pois, e com todo o ardor.Que felizes seremos, sim amanhã é o Dia....EM QUE HAVERÁ MAIS CALOR... Alfonso Almondino da Silva Há-de Haver Há-de haver um tempo e um espaço só para nósHá-de ser o vento a trazer-nos a emoçãoHá-de ser o Mar a chamar-nos para o AmorHá-de ser o arco-íris a canção de um trovadorHá-de ser o Sonho a segredar-nos o Pôr-do-SolHá-de ser o céu azul a violeta que seduzHá-de ser a flor do jardim do coraçãoA mais bela prenda que cultivei só para tiHão-de ser as praças e os passeios da cidadeA brilhar meus olhos de encanto e de saudadeHão-de ser castelos e os telhados destas casasOs berços de oiro que embalam o Sol poenteHão-de ser os sinos a juntar-nos num só fogoE as andorinhas a indicarem os caminhosHá-de ser o Sol a sorriso destas floresA fazer nascer a Primavera em todos nós Carlos Alberto Silva, 34 anos, Professor. Caldas da Rainha Traída em pensamento Teus olhos côr do marMe encantaram quando os viTeu cabelo côr da noiteMe veio ensombrar a vidaVivo esta paixão doentiaToda a noite e todo o diaNão consigo tirar-te da menteDesde o primeiro diaAo sol recordo tua peleBronzeada e tão maciaÁ noite quando me deitoSinto um cheiro que inibriaSei que me amasSei que me queresMas sinto que pensasNas outras mulheresRecorda o momentoEm que escrevo este poemaPois será o primeiro diaDo resto das nossas vidas.Deitada no nosso leitoCom a minha cabeça em teu peitoSinto que já fui traídaNem que seja em pensamento. Inês Lopes – Oeiras Estreita Estrada Pedi a Deus para que me ditasse um poemaEle assim o fez enquanto eu meditavaComo uma mãe que com a sua mão dirige a penaFez-me escrever o que no coração já escrito estava.Deu-me a rima e o engenho, até me deu seu temaInspirou-me qual a mansa luz da madrugadaDeixou-me ver em tudo e em nada um esquemaQual passarinho cantar feliz nesta língua amada.P'la mão de Deus, p'la sua mão de fadaAtrevo-me assim escrever poemas qual fadosOleiro lhes dar forma e vida,toda a minha alma.Um dia quando a vida tiver em mim sua obra acabadaQuero seguir o caminho destes seus traçosSeguir no encanto deles a estreita estrada. Silvério Gabriel de Melo - Vogelbach, Alemanha Estreita Estrada Pedi a Deus para que me ditasse um poemaEle assim o fez enquanto eu meditavaComo uma mãe que com a sua mão dirige a penaFez-me escrever o que no coração já escrito estava.Deu-me a rima e o engenho, até me deu seu temaInspirou-me qual a mansa luz da madrugadaDeixou-me ver em tudo e em nada um esquemaQual passarinho cantar feliz nesta língua amada.P'la mão de Deus, p'la sua mão de fadaAtrevo-me assim escrever poemas qual fadosOleiro lhes dar forma e vida,toda a minha alma.Um dia quando a vida tiver em mim sua obra acabadaQuero seguir o caminho destes seus traçosSeguir no encanto deles a estreita estrada. Silvério Gabriel de Melo - Vogelbach, Alemanha Detesto tudo que oprime o homem, inclusive a gravata. Vinicius de Moraes ------------------------------------- Insensatez Ah, insensatez que você fezCoração mais sem cuidadoFez chorar de dor o seu amorUm amor tão delicadoAh, por que você foi tão fraco assimAssim tão desalmadoAh, meu coração, quem nunca amouNão merece ser amado Vai, meu coração, ouve a razãoUsa só sinceridadeQuem semeia vento, diz a razãoColhe sempre tempestadeVai, meu coração, pede perdãoPerdão apaixonadoVai, porque quem não pede perdãoNão é nunca perdoado Vinicius de Moraes Trovas antigas O que mais me prende à vidaNão é amor de ninguém.É que a morte de esquecidaDeixa o mal e leva o bem. Olha a triste viuvinhaque anda na roca a fiarÉ bem feito, é bem feitoque não tem com quem casar Quem se vai casar ao longeAo perto tendo com quemAlva flor da laranjeiraNão a dará a ninguém No cimo daquela serraEstá um lenço de mil coresEstá dizendo Viva, VivaMorra quem não tem amores José Afonso Ser ou não ser Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.Se os novos partem e ficam só os velhose se do sangue as mãos trazem a marcase os fantasmas regressam e há homens de joelhosqualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca. Apodreceu o sol dentro de nósapodreceu o vento em nossos braços.Porque há sombras na sombra dos teus passoshá silêncios de morte em cada voz. Ofélia-Pátria jaz branca de amor.Entre salgueiros passa flutuando.E anda Hamlet em nós por ela perguntandoentre ser e não ser firmeza indecisão. Até quando? Até quando? Já de esperar se desespera. E o tempo fogee mais do que a esperança leva o puro ardor.Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.Ah se não ser é submissão ser é revolta.Se a Dinamarca é para nós uma prisãoe Elsenor se tornou a capital da dorser é roubar à dor as próprias armase com elas vencer estes fantasmasque andam à solta em Elsenor. Manuel Alegre As palavras São como um cristal,as palavras.Algumas, um punhal,um incêndio.Outras,orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de memória.Inseguras navegam:barcos ou beijos,as águas estremecem. Desamparadas, inocentes,leves.Tecidas são de luze são a noite.E mesmo pálidasverdes paraísos lembram ainda. Quem as escuta? Quemas recolhe, assim,cruéis, desfeitas,nas suas conchas puras? Eugénio de Andrade Poema A minha vida é o mar o Abril a ruaO meu interior é uma atenção voltada para foraO meu viver escutaA frase que de coisa em coisa silabadaGrava no espaço e no tempo a sua escrita Não trago Deus em mim mas no mundo o procuroSabendo que o real o mostrará Não tenho explicaçõesOlho e confrontoE por método é nu meu pensamento A terra o sol o vento o marSão a minha biografia e são meu rosto Por isso não me peçam cartão de identidadePois nenhum outro senão o mundo tenhoNão me peçam opiniões nem entrevistasNão me perguntem datas nem moradasDe tudo quanto vejo me acrescento E a hora da minha morte aflora lentamenteCada dia preparada Sophia de Mello Breyner Andresen Contrariedades Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;Nem posso tolerar os livros mais bizarros.Incrível! Já fumei três maços de cigarros Consecutivamente. Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:Tanta depravação nos usos, nos costumes!Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes E os ângulos agudos. Sentei-me à secretária. Ali defronte moraUma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes E engoma para fora. Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.Lidando sempre! E deve conta à botica! Mal ganha para sopas... O obstáculo estimula, torna-nos perversos;Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,Por causa dum jornal me rejeitar, há dias, Um folhetim de versos. Que mau humor! Rasguei uma epopeia mortaNo fundo da gaveta. O que produz o estudo?Mais uma redacção, das que elogiam tudo, Me tem fechado a porta. A crítica segundo o método de TaineIgnoram-na. Juntei numa fogueira imensaMuitíssimos papéis inéditos. A Imprensa Vale um desdém solene. Com raras excepções, merece-me o epigrama.Deu meia-noite; e a paz pela calçada abaixo,Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho Diverte-se na lama. Eu nunca dediquei poemas às fortunas,Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.Independente! Só por isso os jornalistas Me negam as colunas. Receiam que o assinante ingénuo os abandone,Se forem publicar tais coisas, tais autores.Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores Deliram por Zaccone. Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,Obtém dinheiro, arranja a sua "coterie";Ea mim, não há questão que mais me contrarie Do que escrever em prosa. A adulaçãao repugna aos sentimento finos;Eu raramente falo aos nossos literatos,E apuro-me em lançar originais e exactos, Os meus alexandrinos... E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!Ignora que a asfixia a combustão das brasas,Não foge do estendal que lhe humedece as casas, E fina-se ao desprezo! Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,Oiço-a cantarolar uma canção plangente Duma opereta nova! Perfeitamente. Vou findar sem azedume.Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,Conseguirei reler essas antigas rimas, Impressas em volume? Nas letras eu conheço um campo de manobras;Emprega-se a "réclame", a intriga, o anúncio, a "blague",E esta poesia pede um editor que pague Todas as minhas obras... E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia... Que mundo! Coitadinha! Cesário Verde Segredo Sei um ninho.E o ninho tem um ovo.E o ovo, redondinho,Tem lá dentro um passarinhoNovo. Mas escusam de me atentar:Nem o tiro, nem o ensino.Quero ser um bom meninoE guardarEste segredo comigo.E ter depois um amigoQue faça o pinoA voar... Miguel Torga, in "Diário VIII" Intimidade No coração da mina mais secreta,No interior do fruto mais distante,Na vibração da nota mais discreta,No búzio mais convolto e ressoante, Na camada mais densa da pintura,Na veia que no corpo mais nos sonde,Na palavra que diga mais brandura,Na raiz que mais desce, mais esconde, No silêncio mais fundo desta pausa,Em que a vida se fez perenidade,Procuro a tua mão, decifro a causaDe querer e não crer, final, intimidade. José Saramago Meu amor, meu amor Meu amor meu amormeu corpo em movimentominha voz à procurado seu próprio lamento. Meu limão de amargura meu punhal a escrevernós parámos o tempo não sabemos morrere nascemos nascemosdo nosso entristecer. Meu amor meu amormeu nó e sofrimentominha mó de ternuraminha nau de tormento este mar não tem cura este céu não tem arnós parámos o vento não sabemos nadare morremos morremosdevagar devagar. José Carlos Ary dos Santos Lágrima Cheia de penas me deitoE com mais penas me levantoJá me ficou no meu peitoO jeito de te querer tanto Tenho por meu desesperoDentro de mim o castigoEu digo que não te queroE de noite sonho contigo Se considero que um dia hei-de morrerNo desespero que tenho de te não verEstendo o meu xaile no chãoE deixo-me adormecer Se eu soubesse que morrendoTu me havias de chorarPor uma lágrima tuaQue alegria me deixaria matar Amália Rodrigues Liberdade Ai que prazerNão cumprir um dever,Ter um livro para lerE não o fazer!Ler é maçada,Estudar é nada.O sol doiraSem literatura. O rio corre, bem ou mal,Sem edição original.E a brisa, essa,De tão naturalmente matinal,Como tem tempo não tem pressa... Livros são papéis pintados com tinta.Estudar é uma coisa em que está indistintaA distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto é melhor, quando há bruma,Esperar por D. Sebastião,Quer venha ou não! Grande é a poesia, a bondade e as danças...Mas o melhor do mundo são as crianças,Flores, música, o luar, e o sol, que pecaSó quando, em vez de criar, seca. O mais do que istoÉ Jesus Cristo,Que não sabia nada de finançasNem consta que tivesse biblioteca... Fernando Pessoa“ PARAÍSO” Deixa ficar comigo a madrugada,para que a luz do Sol me não constranja.Numa taça de sombra estilhaçada,deita sumo de lua e de laranja. Arranja uma pianola, um disco, um posto,onde eu ouça o estertor de uma gaivota...Crepite, em derredor, o mar de Agosto...E o outro cheiro, o teu, à minha volta! Depois, podes partir. Só te aconselhoque acendas, para tudo ser perfeito,à cabeceira a luz do teu joelho,entre os lençóis o lume do teu peito... Podes partir. De nada mais precisopara a minha ilusão do Paraíso. David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal" (1959-1962) Pedra filosofal Eles não sabem que o sonhoé uma constante da vidatão concreta e definidacomo outra coisa qualquer,como esta pedra cinzentaem que me sento e descanso,como este ribeiro mansoem serenos sobressaltos,como estes pinheiros altosque em verde e oiro se agitam,como estas aves que gritamem bebedeiras de azul. Eles não sabem que o sonhoé vinho, é espuma, é fermento,bichinho álacre e sedento,de focinho pontiagudo,que fossa através de tudonum perpétuo movimento. Eles não sabem que o sonhoé tela, é cor, é pincel,base, fuste, capitel,arco em ogiva, vitral,pináculo de catedral,contraponto, sinfonia,máscara grega, magia,que é retorta de alquimista,mapa do mundo distante,rosa-dos-ventos, Infante,caravela quinhentista,que é Cabo da Boa Esperança,ouro, canela, marfim,florete de espadachim,bastidor, passo de dança,Colombina e Arlequim,passarola voadora,pára-raios, locomotiva,barco de proa festiva,alto-forno, geradora,cisão do átomo, radar,ultra-som, televisão,desembarque em foguetãona superfície lunar. Eles não sabem, nem sonham,que o sonho comanda a vida.Que sempre que um homem sonhao mundo pula e avançacomo bola coloridaentre as mãos de uma criança. António Gedeão Cavalo à solta Minha laranja amarga e doce meu poema feito de gomos de saudade minha pena pesada e leve secreta e pura minha passagem para o breve, breve instante da loucura Minha ousadia meu galope minha rédea meu potro doido minha chama minha réstia de luz intensa de voz aberta do que sente a gente certa Em ti respiro em ti eu provo por ti consigo esta força que de novo em ti persigo em ti percorro cavalo à solta pela margem do teu corpo Minha alegria minha amargura minha coragem de correr contra a ternura. Por isso digo canção castigo amêndoa travo corpo alma amante amigo por isso canto por isso digo alpendre casa cama arca do meu trigo Meu desafio minha aventura minha coragem de correr contra a ternura Ary dos Santos Terra Onde ficava o mundo? Só pinhais, matos, charnecas e milho para a fome dos olhos. Para lá da serra, o azul de outra serra e outra serra ainda. E o mar? E a cidade? E os Rios? Caminhos de pedra, sulcados, curtos e estreitos, onde chiam carros de bois e há poças de chuva. Onde ficava o mundo? Nem a alma sabia julgar. Mas vieram engenheiros e máquinas estranhas. Em cada dia o povo abraçava outro povo. E hoje a terra é livre e fácil como o céu das aves: a estrada branca e menina é uma serpente ondulada e dela nasce a sede da fuga como as águas dum rio. 1941 Fernando Namora, Novo cancioneiro (1989) Adeus Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro! Era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! E eu acreditava! Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos, no tempo em que o teu corpo era um aquário, no tempo em que os teus olhos eram peixes verdes. Hoje são apenas os teus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros. Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor... já não se passa absolutamente nada. E, no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos nada que dar. Dentro de ti Não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus. Eugénio de Andrade Solidão"Estou só SenhorEstou sempre só de tudo o que me rodeia.Só no meio da multidãoMas sobretudo estou só do MarQue me dá vida e doSol que me dá calorSó! só da família que me criouSó! só do cheiro dos pinheiros eDos eucaliptosDa maresia eDa terra lavradaEstou só SenhorMas sobretudo estou sempre sóQuando algo me faz oCoração chorar e aAlma se escureceSó! quando de pés e mãos atadoNão consigo dar um passoSó! só nas grandes e pequenas caminhadasNas grandes e pequenas decisõesE até só! nas grandes e pequenas encruzilhadasOnde a vida e a morte se espreitamE onde tudo oque souEstá fente a frenteCom aquilo que eu não sou.Onde o que eu posso serO que eu sou realmenteO que eu julgo serO que eu sou visto serSe encontram num só serDando-me este sentir De imensa solidãoQue até julgo sentir queDe ti Senhor tambemESTOU SÓ Afonso Almondino da Silva - Toronto 12 Maio 1986 |
1 Comments:
Gosto do teu blog!!! Está porreiro, e sei que vai estar sempre em actualização!!!!
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